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QUEM CONTA UM CONTO, ACRESCENTA UM TONTO

  • Foto do escritor: Marco Alves
    Marco Alves
  • 24 de mar. de 2021
  • 2 min de leitura

Atualizado: 18 de jan. de 2023


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Vitorino era um rapaz simples, amigo do amigo.

Adorava comer broa com presunto, na modesta e fresquinha adega. Não o fazia só. Tinha a mania de que, para se saborear uma boa pega (“pêga”), a companhia era fundamental.

E eram tantos os amigos que circundavam a pipa, assentada de topo, com uma toalha de linho, uma cesta de broa, presunto e umas rodelas de chouriça.

Quando Vitorino saía da confraternização, buscando algo mais do frigorífico, os comparsas da comezaina começavam a cochichar:

- Este Vitorino é cá um tonto! Já viram que não se dá sem patuscadas?

- Eu quero lá saber – dizia outro – o que me importa é que enfardo e já não gasto em casa!

Todos riam, em tom jocoso, até à chegada do Vitorino, que surgia com mais um prato de salpicão, já fatiado, numa mão, e um prato de queijo e marmelada, noutra.

À sua chegada, tentava-se, disfarçadamente, mudar o assunto da conversa, e entre alguns olhares cínicos, alguém teria de embuçar:

- Como estávamos a dizer, aqui é que se está bem, Vitorino!

Vitorino não dizia nada, apenas sorria e ia organizando os pratos na pipa.

Quer na matança do porco, na ceifa ou na vindima, os seus companheiros só apareciam à tardinha, quando a safra já tinha terminado. Argumentavam sempre muitos afazeres, nesse dia. Contudo, Vitorino nunca negava a pega. Fazia, aliás, questão.

Naquele dia, à volta da pipa, a muito custo, referiu que a sua perna esquerda não andava bem. Mas tinha de varejar a azeitona. Os tordos estavam a dar cabo de tudo.

E, em jeito de humilde pedido, disse:

- Se quiserem aparecer, sábado, para dar uma mão, a pega está garantida!

Primeiro, o silêncio predominou. Depois, um a um, foram manifestando, timidamente, a sua ajuda.

À saída, no portão, já longe dos olhares e ouvidos do Vitorino, os comparsas sondavam-se:

- Sábado, tu vens? – perguntava o Manel.

- Bem, eu acho que sim. – dizia o Zé.

- Sim, devo aparecer cedinho. – acrescentou o Alfredo.

- Não custa nada ajudar este tonto – afirmou o João, pleno de altivez.

O que é certo é que, no sábado, nenhum dos quatro apareceu.

Vitorino, depois de esperar duas horas de olhos postos no portão, subiu às oliveiras. Com a vara e com os toldos já estendidos pelo terreiro, iniciou a faina.

Ao longo de duas horas ia sentindo o adensar da dor na sua perna esquerda. As forças iam-se perdendo. E de repente, depois de tanto esforço, caiu desamparado no chão.

A Maria, a esposa, correu aos gritos.

Vitorino, estava muito mal. Porém, disse logo que não queria ir para o hospital. Pediu só que o ajudasse a chegar até à adega que era um local fresquinho para poder repousar.

A Maria, contrariada, fez-lhe a vontade.

À tardinha, os comparsas bateram ao portão. A Maria abriu e encaminhou-os para a adega.

Ao chegarem, a pipa estava composta com os petiscos do costume. A caneca, pela espuma, tinha acabado de ser cheia.

O tonto do Vitorino é que já não estava. Acabara de sucumbir…

𝘕𝘶𝘯𝘤𝘢 𝘮𝘢𝘪𝘴 𝘢𝘲𝘶𝘦𝘭𝘢 𝘱𝘪𝘱𝘢 𝘭𝘦𝘷𝘰𝘶 𝘶𝘮𝘢 𝘵𝘰𝘢𝘭𝘩𝘢 𝘥𝘦 𝘭𝘪𝘯𝘩𝘰, 𝘯𝘶𝘯𝘤𝘢 𝘮𝘢𝘪𝘴 𝘢𝘲𝘶𝘦𝘭𝘦𝘴 𝘤𝘰𝘮𝘱𝘢𝘳𝘴𝘢𝘴 𝘷𝘰𝘭𝘵𝘢𝘳𝘢𝘮 𝘢 𝘤𝘰𝘯𝘧𝘳𝘢𝘵𝘦𝘳𝘯𝘪𝘻𝘢𝘳 𝘦 𝘯𝘶𝘯𝘤𝘢 𝘮𝘢𝘪𝘴 𝘴𝘦 𝘦𝘯𝘤𝘰𝘯𝘵𝘳𝘢𝘳𝘢𝘮 𝘦𝘯𝘵𝘳𝘦 𝘴𝘪.

𝘖 𝘵𝘰𝘯𝘵𝘰 𝘦𝘳𝘢 𝘶𝘮 𝘷𝘦𝘳𝘥𝘢𝘥𝘦𝘪𝘳𝘰 𝘢𝘮𝘪𝘨𝘰!

𝘖 𝘵𝘰𝘯𝘵𝘰 𝘦𝘳𝘢 𝘰 𝘦𝘭𝘰, 𝖺 𝗎𝗇𝗂ã𝗈!

Marco Alves, 24 de março de 2021

 
 
 

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