O SOL FUGIU DE MINHA CASA
- Marco Alves
- 8 de mai. de 2020
- 2 min de leitura
E o dia acordou feliz… O sol raiava a minha casa, onde abundava o canto alegre da passarada. Da minha janela, assistia ao despontar do dia com tanta felicidade. Como se diz, ainda hoje, “era feliz e não sabia”.
Cada dia que passava era um pretexto para inventar brincadeiras e reinventar cada dia. Nunca nada era igual.
O sol era sinónimo de alegria. Em dias de chuva, tudo parecia tão diferente e monótono.
O sol sempre foi o relógio. Sinal, ao acordar, que já poderia brincar. Quando se ia esvaecendo, era hora de voltar a casa.
Assim foi durante anos…
Quase a chegar ao Natal, aquela época que nós, crianças, tanto ansiámos, recebo, durante a tarde, a notícia de um acidente. Meus Deus, fora o meu querido irmão… Na bicicleta de corrida verde, deixei tudo para trás e fui desesperada e inconscientemente a toda a velocidade estrada abaixo.
Era mesmo, o meu mano, tinha tido um grave acidente.
Não podia acreditar. Tudo tinha ficado tão escuro…
Nas noites seguintes, aquele que comigo partilhava o quarto, não estava lá… rezava, ajoelhado, junto da minha cama para que Deus me trouxesse o meu irmão de volta, depois, fugia para o quarto dos meus pais, na ânsia que ele recuperasse e pudesse estar com ele.
Mas não voltou…
Lembro-me da noite em que o telefone tocou. O meu pai só dizia: - Ele morreu, não foi? Morreu, diz-me por favor!
Bem perto do meu pai, no canto do corredor pressenti o pior e mais horrível momento da minha vida, da vida de uma criança.
Não mais conseguia ficar naquele quarto com duas camas… deitava-me e olhava para a outra cama, ao lado esquerdo, e não estava lá ninguém. Saía a correr para o quarto dos meus pais.
Os dias, ao acordar, já não traziam o sol. O frio e a chuva acentuavam, ainda mais, a minha dor. Já não queria brincar. Não queria estar em lado algum. Mesmo criança, pedi a Deus que me levasse para junto do meu querido irmão. Mas até em Deus deixei de acreditar por me ter sido retirado um amor que jamais seria substituído.
A televisão já não se ligava, o rádio estava fechado. Foi-se o sol, foi-se a alegria. Tornei-me uma criança fria…
Um mês depois, comecei a sonhar com o meu irmão. Acordava tão feliz! Sonhos de brincadeiras e partilhas que me deram força para começar a sair de casa. Tinha, afinal, os meus amigos que também já sentiam a minha falta. Receberam-me alegremente, sem falar no assunto. Eu limitava-me a reproduzir as brincadeiras com que havia sonhado.
Os sonhos começaram a acontecer quase diariamente. Sentia que ele estava ali comigo. Que sensação tão boa!
Percebi, então, que ele queria que eu continuasse.
Continuei…
E, hoje, digo que valeu essa força que ele me deu. Foi possível voltar a sorrir, a fazer sorrir os meus pais. Os seus netos, os meus filhos, trouxeram novamente o sol a minha casa.
Eles têm um tio que nunca conheceram, mas de quem lhes falo, orgulhosamente. Chama-se Luís Filipe de Sousa Alves e está vivo em mim, tal como o sol que aparece em cada dia.
O sol não fugiu de minha casa, apenas se escondeu na altura de uma tempestade.
Com sol ou chuva, a cada dia que acaba, há outro que recomeça!

Marco Alves, 8 de maio de 2020
Comments