top of page
Pampas frágeis
Buscar

O PADEIRO

  • Foto do escritor: Marco Alves
    Marco Alves
  • 6 de jul. de 2020
  • 3 min de leitura

ree

O Esteves, exímio profissional, continuava na labuta.

Cada dia, trazia um novo desafio, na sua profissão. Trabalhava como padeiro.

Muitos dos seus amigos, quando chegava à tasca do Zé, gozavam com ele:

- Lá vem o padeiro!

Não era por maldade, talvez por se acharem menorizados, quereriam também menorizar os que os rodeavam.

O Esteves, não ligava. Era pacato e privilegiava a amizade. Os “laços” que o unia àquele grupo de amigos, atravessados por uma infância e experiências únicas, seriam, para ele, completamente intocáveis. Não ligava a “bocas”, preferia, genuinamente e sem qualquer hipocrisia, abrir um sorriso. Sabia que os seus companheiros não eram maus. Apenas, queriam evidenciar-se aqui ou ali. Eu seria sempre o Esteves, o padeiro, e eles, os meus amigos de infância.

O negócio, na “Padaria do Castelo”, ia de “vento em popa”. Já ninguém vivia sem o pão do Esteves. A padaria não era dele. Era, apenas, um mero funcionário. Mas o delicioso pão saía das suas mãos.

O patrão pagava certinho. Nunca falhara com equipamentos e apoios. O Esteves tinha tudo, menos o reconhecimento do fruto do seu trabalho. Trabalhava sempre à noite e dormia, apenas seis horas, durante o dia.

Não havia na aldeia quem não reconhecesse que o seu pão era especial e duradouro. Podia comer-se no dia seguinte que estava um pão magnífico, ao contrário daquele que vinha da padaria da cidade, a “Padaria de Todos”.

Os anos foram passando e o Esteves nunca perdera o brio na confeção do pão. Mantivera o entusiasmo e a exímia dedicação. No entanto, os seus filhos iam crescendo, o seu ordenado permanecera inalterado. O Esteves necessitava de estar presente em casa, acompanhando os filhos. Urgia ter um maior poder económico para poder corresponder às necessidades do seu lar.

Nesse mesmo momento, falou com o patrão.

- Sr. António, já trabalho aqui há vinte anos, sempre com a maior dedicação. Gostaria de saber se é possível aumentar o meu ordenado, porque tudo vai ficando mais caro e gostaria que os meus filhos pudessem ter outras condições de vida.

O patrão, homem atarefado, respondeu-lhe, prontamente:

- Ó Esteves, se não estás bem, põe-te! Não faltam padeiros!

O Esteves, após ouvir a resposta, permaneceu calado. Respeitou o patrão, aquele que lhe permitiu ter, ao final de cada mês, um ordenado para pagar as suas despesas.

Contudo, quando se deitava, pensava, que no seu trabalho, era apenas mais um e não um. Isso deixava-o inquietado.

De domingo para segunda, não dormiu. Resolveu comprar pão na padaria da cidade.

Comprou duas dúzias e deu a provar aos seus amigos. Não, não era igual ao seu!

- Que se passou, Esteves? Houve arraial, ontem? Este não é o teu pão do costume!

O Esteves permaneceu calado. Apenas queria aferir a opinião dos amigos. No entanto, satisfeito com a avaliação e reconhecimento.

Tomado por uma coragem irreconhecível, foi novamente à “Padaria de Todos”, na cidade. Pediu para falar com o patrão. Este, surgiu, logo de seguida, com uma bata. Afinal, era ele que confecionava o pão.

- Diga, se faz favor! – disse o patrão.

O Esteves deixou para trás todo o seu comedimento e avançou:

- Boa tarde! Sou o padeiro da “Padaria do Castelo” e gostaria de saber se teria interesse nos meus serviços.

- Da Padaria do Castelo? Questionou, novamente o patrão?

- Sim. Gosto muito daquilo que faço, mas preciso que seja reconhecido o meu trabalho. Não lhe venho pedir emprego. Apenas dispor dos meus serviços. Ganhava 800€, sete dias por semana, e agora estou disposto a mudar. Preciso ajudar os meus filhos. Necessito, principalmente, que seja reconhecido o meu trabalho. Estou disposto a fazer o mesmo horário, mas trarei toda a minha dedicação e empenho.

- Já ouvi falar de si. Chama-se Esteves, não é?

- Sim, é esse o meu nome.

- Esteves, eu sou o dono desta padaria. Trabalho, duramente, mesmo sendo patrão, para que ela possa ter sucesso. Tenho o mesmo gosto e dedicação que o senhor. Contudo, falta-me a “mão” que você tem. Esta casa está aberta para o receber. Pago-lhe 800€, mensais, mais um cêntimo por cada pão vendido. Você fará a diferença na sua e na minha carteira.

A partir deste dia, o melhor pão passou a ser o da “Padaria de Todos”! A Padaria aumentou dos 500 pães diários para os 3500.

O Esteves passou a ganhar mais e, a cada dia, querer fazer ainda mais para que o seu pão chegasse a mais mesas.

A “Padaria do Castelo”, devido a dificuldades económicas, encerrou portas.

Marco Alves, 6 de julho de 2020


 
 
 

Comentarios


© Copyright

©2023 Marco Alves

  • alt.text.label.Facebook
  • alt.text.label.YouTube
  • alt.text.label.Facebook
bottom of page