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O FLEUMATISMO QUE PASSA COM UMA TIGELA

  • Foto do escritor: Marco Alves
    Marco Alves
  • 17 de jun. de 2020
  • 3 min de leitura

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Após uma briga dura, alguém, de entre a multidão, acusava o Manel de “fleumático”.

Não houve feridos graves. Apenas umas mossas e uns arranhões ligeiros.

O António chegava casa, após assistir às desavenças entre o Carlos e o Manel, aparentemente alterado. Traria consigo, talvez, alguma adrenalina da discussão. No átrio, estava o seu cunhado que discutia com a sua cunhada Maria.

- Então, o que se passa? – perguntou o António.

- Não venhas tu para aqui meter o bedelho que já estou pelas costuras! – respondeu o seu cunhado, o Vieira, visivelmente, alterado.

- Olha-me este! Estás a refilar na minha casa? Quem és tu, ó zimbrão! – retorquiu o legítimo proprietário do lar.

- Ó Tone, não me tires do sério! Leva ela e levas tu! – acrescentou o cunhado, em tom, cada vez mais ameaçador.

- Ó meu grande fleumático (recordara-se da palavra, anteriormente escutada na briga entre o Carlos e Manel)! Sai já daqui que eu parto-te todo!

- Fleumático? É agora que te arrebento esse nariz!

E enrodilharam-se no chão… eram tantos murros e pontapés que as mulheres apenas conseguiam gritar:

- Acudam que eles matam-se! – gritavam a Josefa, esposa do António, e a Maria, esposa do Vieira.

E foi a chegada do vizinho, Chico capador, homem bem constituído, de braços fortes, que a luta se conseguiu amainada.

De longe, sem toque corporal, continuavam os brados:

- És um fleumático! – aumentava o tom, o António.

- Fleumático, és tu, a tua cunhada e a tua mulher também! – Retorquia o seu cunhado, separado pelos braços do Chico capador.

No meio de toda a confusão, chegava o carteiro, também vizinho, de seu nome Zé das Cartas. Entre gritos e tentativas de agressão dos visados, tenta saber o motivo da confusão.

- Ele chamou-me fleumático, Zé! – disse o Vieira.

- E é um fleumático! Só ele não percebe que é um fleumático! – replicou o António.

Então, o Zé das Cartas, dá “uma mão” ao Chico e coloca-se, também, no meio, dizendo:

- Calma vizinhos! Ó Vieira, então qual é o mal?

- Também queres enfardar, Zé? – aumentou o tom, o Vieira.

Então, o Zé tentou colocar “água na fervura”:

- Calma, calma… sabem o que significa a palavra fleumático?

Os gritos e manifestos atos de força passaram, num instante, a um silêncio profundo.

Após dez segundos, o Vieira brada:

- É uma ofensa! Ele quer-me rebaixar! Tem a mania!

Com toda a sua calma, o Zé acrescentou:

- Fleumático não é nenhum palavrão. Significa que é indiferente, mas que tem paciência. O Tone só te estava a chamar paciente…

Houve mais um silêncio prolongado…

O António, desconhecedor de tal significado, com pavor a lutas, aproveitou as palavras sábias do Zé das Cartas para se afirmar:

- Pois é! Eu aqui a te tentar defender, porque tens muita paciência para a Rosa e tu vens logo ao ataque. Já não podemos ser compreensíveis! A Rosa é uma chata e tu tens muita paciência!

O Vieira, atónito, não sabia o que dizer. No entanto, humildemente, reconhecendo a sua atuação, acrescentou:

- Amigos, “águas passadas não mo(v)em moinhos”! Vamos a minha casa beber uma tigela. Não quero desavenças com bons vizinhos.

O António aproveitou, também, para desculpar a sua ignorância (só ele sabia), para dizer:

- Não! Estamos em minha casa. Será aqui que vamos beber! Tenho todo o gosto em oferecer a bons amigos!

Continuou:

- Ó Josefa, ó Rosa, venha uma caneca do pipo de cima, daquele bom! Depressa, que não estamos fleumáticos!

Sentaram-se fleumáticos, na mesa de pedra, e aguardaram, fleumaticamente, a chegada das tigelas e da caneca.

Marco Alves, 17 de junho de 2020

 
 
 

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