DA FISGA AOS NINHOS
- Marco Alves
- 13 de mai. de 2020
- 3 min de leitura

E aquele velho e ruidoso despertador verde marcava o início de mais um dia. Num pulo, saltava da cama e abria a janela. Maravilha! Um dia soalheiro!
Depois de molhar uns biscoitos no leite, saía apressado para o quintal. Era chegada a primavera… Isso era também sinónimo que teria de guardar a fisga, trabalhosa e dedicadamente feita com uma forcalha de laranjeira, elásticos de uma câmara de ar velha e a língua de uma botas (cortada às escondidas do meu pai). A fisga já não se podia usar. Os pássaros iam, agora, construir os seus ninhos.
Pelos laranjais e montes, era uma verdadeira diversão encontrar os ninhos e verificar se já tinham “pedrinhas”. Sim, “pedrinhas” porque não se podia chamar ovos, caso contrário, vinham lá as formigas!
Com uma estratégia previamente delineada, eu e os meus amigos fazíamos o “batimento” de toda a área. Os ninhos de melro eram os mais frequentes. Depois, os de carriça, de pedreirinho, de “cerrezinas” - serzino (chamariz) e de verdilhão. Havia prémio para quem encontrasse o primeiro ninho de pintassilgo, de rola, de pega ou de gaio! Mas era muito difícil. No entanto, havia espécies que já tinham, anualmente, o seu local reservado. Era o caso de uma poupa, no buraco do muro. Também havia um pica-pau que já tinha buraco numa ameixoeira, depois de tanta bicada, mas nunca lá fez o ninho. Só gostava de picar e lá dentro se esconder.
Que beleza! O diverso e vasto canto, que se ouvia do chilrear da passarada, era fantástico e natural. A azáfama deles, na procura de flores secas e ramos para a construção dos ninhos, permitia que ficássemos à espera para ver onde eles a iam levar e, assim, procurar os ninhos. Alguns deles eram de difícil acesso. Havia alguns nos silvedos, em árvores altas… mas tinha sempre um dos meus amigos que se aventurava. Eu preferia ficar a ver.
Os ninhos encontrados eram verificados quase diariamente para se atender à evolução e crescimento. Quando as crias já estavam aptas a sair do ninho, não muito tardiamente, era altura de escolher um dos ninhos (o meu pai só deixava trazer um ninho de melro por ano).
Com grande entusiamo, era necessário buscar o “produto dos pitos”, esmagá-lo, para assim se fazer a papa para as crias. Assobiava e elas, muito esfomeadas, abriam o bico. Com uma seringa dava-lhe de beber. Era uma trabalheira… mal comiam, faziam logo as suas necessidades e era necessário limpar o ninho. Outro aspeto importante era ter o ninho escondido, num local onde a mãe das crias não conseguisse aceder, pois, se o conseguisse, levava “trovisco” às crias, o que as mataria. Depois, era esperar que crescessem e que ficassem com o bico laranja, sinal de que eram machos e seriam bons cantadores. As fêmeas eram libertas.
Era uma verdadeira paixão vê-los crescer. Sentia uma enorme responsabilidade, tal como se de um filho se tratasse. Quando atingiam a idade adulta, um enorme orgulho apoderava-se de mim ao ouvi-los cantar!
Esta envolvência com as aves fez com que, aos poucos, a fisga continuasse pendurada.
Ainda, hoje, continuo a procurar ninhos. No entanto, já não os trago para casa. Apesar desta paixão me ter ajudado a ser mais responsável e um bom cuidador, apercebi-me que tantas das espécies que via outrora desapareceram. Já não há a mesma variedade de espécies. Talvez culpa dos humanos.
Mais do que tudo, percebi que a LIBERDADE é uma coisa tão boa para eles e para mim!
Marco Alves, 13 de maio de 2020
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