A MATANÇA DO PORCO
- Marco Alves
- 23 de jun. de 2020
- 2 min de leitura

Eis que chegava o dia que trazia para mim um misto de emoções. Era o dia da matança do porco.
Ficava sempre um pouco aterrorizado, nos momentos que antecediam. O percurso do porco, desde a corte até ao terreiro, era visto, aos meus olhos, como um momento enfadonho. Não me sentia bem, antevendo o triste final do animal.
O porco era, dificilmente, colocado e amarrado em cima de uma mesa de madeira já velha, mas mociça. O pescoço do animal era antecipadamente lavado e após desferido o golpe com uma grande faca (chamávamos-lhe “facalhão”), pelo João de Casinhado, o sangue escorria para uma bacia, já com sal, dentes de alho e vinagre. Tinha de se mexer, constantemente, até que arrefecesse. Não podia coalhar.
(Ficam-me presentes, ainda hoje, grunhidos ensurdecedores do pobre animal). Fora sempre bem tratado e bem alimentado.
Eu ficava sempre longe, indeciso entre o ver e o não ver.
Quando cessavam os gemidos, ia-me aproximando, lentamente.
Com colmo, o porco era chamuscado e, depois, raspado com facas e navalhas bem afiadas. (Anos mais tarde, o colmo foi trocado pelo maçarico vermelho).
Depois, na adega, o porco era pendurado pelas patas traseiras e cortado de cima a baixo.
Tudo era aproveitado…
Todos os órgãos retirados, cuidadosamente, eram lavados com vinho. As tripas eram também, imediatamente, lavadas pela minha avó e pela minha tia, na água corrente do tanque, e mergulhadas em limão, cebola e sal.
Depois, o porco era desmanchado, e colocado na salgadeira de cimento. Na base, a minha mãe colocava sempre uma boa camada de sal, que depois ia acrescentado, à medida que se colocavam todas as partes desmanchadas.
Eu ficava sempre à espera da bexiga. Era o momento em que o João de Casinhado me tentava animar. E eu ficava, de facto, muito animado. Era, sem dúvida, o meu momento. Com uma palhinha, enchia-a de ar, passava-a nas cinzas da lareira e deixava-a secar, para ganhar maior resistência. Ia ser, brevemente, a minha bola de futebol.
Mais tarde, quando à mesa a refeição era porco, fossem febras, rojões, tripa ou farinhatos, vinham-me à memória os momentos que passei a alimentá-lo, a correr atrás dele e, ainda, aqueles grunhidos.
Contudo, chegava a hora, depois de ser bem cuidado e tratado, ele dar também alimento à nossa família.
Marco Alves, 22 de junho de 2020
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